Na estrada da arte toda parada é uma grata surpresa. Palcos, textos, vozes, sentidos acendem a ribalta do meu inconsciente. Em outubro de 2009 agarrei o desafio de desbravar continentes pela arte na força da língua portuguesa. Era uma idéia me seduzia há seis anos e depois de concretizar duas Edições do FESTLIP - Festival de Teatro da Língua Portuguesa, fiz as malas para pegar o caminho mais revelador que o teatro pôde me proporcionar. Na mala a obstinação de desenvolver oficinas teatrais. Primeira parada: Moçambique. As longas ruas de Maputo serviam de cenário para um destino desconhecido e bastou o palco com mais de 30 pares de olhos famintos por criação para eu me entregar. O regente dessa experiência foi o grande mago do teatro, Henrik Ibsen. Através do seu texto, o teatro acontecia meio a improvisações e quebras de paradigmas. Nada separa nesse momento Brasil, África e Noruega. O tom é o mesmo e o prazer em cada ator durante a oficina era embriagante. Simplesmente o elo da língua se expressava. Sem saber o que me esperava, parti para Angola. Nos palcos de Luanda fui cercada por corpos prontos a cada provocação. Mais uma vez Ibsen colocou mulheres fortes em cena sobrepondo o homem Angolano. O teatro mostrou para todos aqueles criadores a nova possibilidade de ver a mulher por cima literalmente. Encerrei as aulas com a certeza de uma grande transformação. Depois fui com Ibsen para São Tomé e Príncipe. Uma nova África se mostrava com criadores isolados do mundo em terras silenciosas. No palco uma mistura de ingenuidade e pecado estabeleceu nossas relações. Criadores que nunca pronunciaram a frase “Eu te amo”. Como eles se entenderiam com Ibsen? Rompendo limites, descobri que nem filhos ou pais pronunciavam essa frase naquele lugar. Pedi forças a Dionísio e em meio a uma catarse conduzi aqueles corações sedentos a me seduzirem com uma dança e enfim me abraçarem com a frase “eu te amo”. O teatro desintoxicou e libertou esses falantes da língua portuguesa. Rumo a Guiné-Bissau, África de Almodóvar. Cores, fumaça de terra e noite iluminada a luz de velas. Lá, energia só existe a do homem. Gente de olhar assustado e corpos rígidos. Medo! Pensei: Vamos trabalhar Ibsen. Ali encontrei uma quinta parede que precisei derrubar. Dia a dia penetrei naquela realidade quente e enxergando as almas, o teatro nos tirou daquela rigidez e o gelo dos fiordes se derreteu. Criadores prontos para se entregar e começar uma nova vida. Teatro. O coração batia forte por um novo continente. A África da língua portuguesa já estava mexida. Timor me recebeu queimando meus pés, meu coração. Parei de sentir para olhar. Enxerguei gente criadora com olhares melancólicos e curiosos. Atores despidos de vício e clichês. Quase crianças. Ao meu redor vi a dramaturgia de Ibsen acontecer como pela primeira vez. Lá a mulher manda! Uma coreografia de gestos e movimentos me deixou extasiada pelo delicioso frescor. No final da aula, gente que praticamente usava diariamente o mesmo figurino, provavelmente pela ausência de outro, me presenteavam com bonés, blusas e lenços novos. Mesmo sem conter as lágrimas, eu recebia cada peça como minhas de direito. A língua, através do teatro, causou uma metamorfose de unificação. Parti para a pátria da língua portuguesa. Quando cheguei descobri que já era dezembro pelas luzes que anunciavam o Natal nas travessas de Lisboa. Encontrei no palco atores ansiosos e com uma energia inesgotável. Precisei contar tudo que aqui está escrito. Era vital para meus criadores portugueses saberem como essa experiência se deu na África e na Ásia. Em seguida, tomados pela inspiração, sem pudor, se jogaram no palco. Ibsen foi surpreendido. Suas personagens, um casal, foram improvisados de uma forma extasiante por duas mulheres. Com a aprovação do meu olhar e um sorriso revelador, Portugal consolidou meu desafio. Após três meses tinha que voltar ao Brasil. Como atriz, afirmei que o teatro da língua portuguesa brota da sua própria diversidade, mesmo tendo na minha bagagem o mago nórdico do teatro. Tenho certeza que ele adorou viagem. Tudo fez "a diferença" na 3ª edição do FESTLIP 2010. Doce encontro dos criadores da mesma língua.
sábado, setembro 11, 2010
Teatro sem fronteiras
Na estrada da arte toda parada é uma grata surpresa. Palcos, textos, vozes, sentidos acendem a ribalta do meu inconsciente. Em outubro de 2009 agarrei o desafio de desbravar continentes pela arte na força da língua portuguesa. Era uma idéia me seduzia há seis anos e depois de concretizar duas Edições do FESTLIP - Festival de Teatro da Língua Portuguesa, fiz as malas para pegar o caminho mais revelador que o teatro pôde me proporcionar. Na mala a obstinação de desenvolver oficinas teatrais. Primeira parada: Moçambique. As longas ruas de Maputo serviam de cenário para um destino desconhecido e bastou o palco com mais de 30 pares de olhos famintos por criação para eu me entregar. O regente dessa experiência foi o grande mago do teatro, Henrik Ibsen. Através do seu texto, o teatro acontecia meio a improvisações e quebras de paradigmas. Nada separa nesse momento Brasil, África e Noruega. O tom é o mesmo e o prazer em cada ator durante a oficina era embriagante. Simplesmente o elo da língua se expressava. Sem saber o que me esperava, parti para Angola. Nos palcos de Luanda fui cercada por corpos prontos a cada provocação. Mais uma vez Ibsen colocou mulheres fortes em cena sobrepondo o homem Angolano. O teatro mostrou para todos aqueles criadores a nova possibilidade de ver a mulher por cima literalmente. Encerrei as aulas com a certeza de uma grande transformação. Depois fui com Ibsen para São Tomé e Príncipe. Uma nova África se mostrava com criadores isolados do mundo em terras silenciosas. No palco uma mistura de ingenuidade e pecado estabeleceu nossas relações. Criadores que nunca pronunciaram a frase “Eu te amo”. Como eles se entenderiam com Ibsen? Rompendo limites, descobri que nem filhos ou pais pronunciavam essa frase naquele lugar. Pedi forças a Dionísio e em meio a uma catarse conduzi aqueles corações sedentos a me seduzirem com uma dança e enfim me abraçarem com a frase “eu te amo”. O teatro desintoxicou e libertou esses falantes da língua portuguesa. Rumo a Guiné-Bissau, África de Almodóvar. Cores, fumaça de terra e noite iluminada a luz de velas. Lá, energia só existe a do homem. Gente de olhar assustado e corpos rígidos. Medo! Pensei: Vamos trabalhar Ibsen. Ali encontrei uma quinta parede que precisei derrubar. Dia a dia penetrei naquela realidade quente e enxergando as almas, o teatro nos tirou daquela rigidez e o gelo dos fiordes se derreteu. Criadores prontos para se entregar e começar uma nova vida. Teatro. O coração batia forte por um novo continente. A África da língua portuguesa já estava mexida. Timor me recebeu queimando meus pés, meu coração. Parei de sentir para olhar. Enxerguei gente criadora com olhares melancólicos e curiosos. Atores despidos de vício e clichês. Quase crianças. Ao meu redor vi a dramaturgia de Ibsen acontecer como pela primeira vez. Lá a mulher manda! Uma coreografia de gestos e movimentos me deixou extasiada pelo delicioso frescor. No final da aula, gente que praticamente usava diariamente o mesmo figurino, provavelmente pela ausência de outro, me presenteavam com bonés, blusas e lenços novos. Mesmo sem conter as lágrimas, eu recebia cada peça como minhas de direito. A língua, através do teatro, causou uma metamorfose de unificação. Parti para a pátria da língua portuguesa. Quando cheguei descobri que já era dezembro pelas luzes que anunciavam o Natal nas travessas de Lisboa. Encontrei no palco atores ansiosos e com uma energia inesgotável. Precisei contar tudo que aqui está escrito. Era vital para meus criadores portugueses saberem como essa experiência se deu na África e na Ásia. Em seguida, tomados pela inspiração, sem pudor, se jogaram no palco. Ibsen foi surpreendido. Suas personagens, um casal, foram improvisados de uma forma extasiante por duas mulheres. Com a aprovação do meu olhar e um sorriso revelador, Portugal consolidou meu desafio. Após três meses tinha que voltar ao Brasil. Como atriz, afirmei que o teatro da língua portuguesa brota da sua própria diversidade, mesmo tendo na minha bagagem o mago nórdico do teatro. Tenho certeza que ele adorou viagem. Tudo fez "a diferença" na 3ª edição do FESTLIP 2010. Doce encontro dos criadores da mesma língua.
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