
Beth Goulart / Clarice Lispector
Nessa hora me resta explodir em emoção. Primeiro a voz... Já vem em um tom que é absolutamente devastador. Beth dá luz a Clarice. Não a Clarice que os "profundos” complicam ou os "pseudos" intelectuais idolatram. É a mulher Clarice que circula na alma dessa misteriosa atriz.
A Beth criou uma linguagem textual simples e humana. De forma leve consegue trazer um frescor dessa complexa escritora. Muitos se afastam de seus escritos por covardia. Mas com forte intimidade feminina, a peça traz o lado humano da Clarice.
Acredito que, se Clarice estivesse na platéia esboçaria belos sorrisos. Depois de muitos anos ela é apresentada ao público de uma forma, que talvez ela própria por muitas vezes tenha tentado, e naturalmente não a permitiram. Foi assim que nossa atriz buscou essa mulher intensa de forma leve e com muita sabedoria. Com um figurino preciso, uma luz de nascimento, vida e morte, e com uma interpretação nada visceral. “Simplesmente Clarice".
Deslizando pelo palco e esbanjando domínio sobre esse mito, a Beth nos apresenta a Clarice mulher. Foi leve, profundo e finalmente de um alívio surpreendente. Sensações suficientes para sair do teatro em total silêncio.Mais uma vez essa atriz nos rasga com a sua coragem e despudor. Ela sonha, idealiza, cria e por fim faz acontecer. Fica claro que desde o início desse projeto ela já sabia o que queria: forma, conteúdo, tom, cor, imagem, voz e liberdade para brincar de Clarice. Brincadeira séria de uma grande mulher que não se intimida com seus desafios. Gosta de subir ao palco e encarar solitariamente o público.
Está em cartaz no CCBB do Rio, ou melhor, Clarice está a sua espera no CCBB para um papo casual como só ela consegue fazer. Um mergulho leve num mar profundo.

